quinta-feira, 27 de junho de 2013

Cisterna: economia de água para maior produtividade

Agricultora Maria dos Remédios desenvolve práticas de convivência com o Semiárido
Eudes Costa - Comunicador popular da ASA
São Francisco - PB
21/06/2013

Ao passar pela estrada principal em direção ao município de São Francisco, região norte do alto sertão paraibano, olhando para as casas ao lado, com certa curiosidade, tem uma que se destaca pela grande expansão de uma área totalmente verde ao arredor do quintal, e por uma cisterna com um calçadão construído encima de um lajedo. Lá, na comunidade Viturino, mora Maria dos Remédios, de 52 anos, e seu esposo, Zé Carneiro, de 56. É nessa família que o quintal produtivo chama a atenção de quem passa. Logo se percebe o trabalho, a dedicação, a beleza espalhada pela diversidade de plantas.

Casados há 32 anos, parte dessa vivência foi no centro urbano de São Paulo. Somente em 2011 decidiram regressar para terra natal, com planos e esperanças para o início de uma nova história.  Compraram um pedaço de terra de apenas meio hectare; cheia de mato, mofumbo e pedra. Mas isso não desencorajou dona Maria, que tinha firme o desejo de colocar em prática sua paixão pela agricultura. Em pouco tempo receberam a cisterna-calçadão e algumas capacitações do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da ASA.

Às cinco horas da manhã, dona Maria se prepara para trabalhar, põe sua bota, coloca o chapéu de palha na cabeça e inicia suas atividades. A agricultora conta que se não fosse à cisterna não tinha a menor condição de viver na propriedade, nem mesmo com o poço que mandaram cavar, que não deu certo devido a pouca vazão d’água.
Dona Maria enche os regadores e calcula a água antes de agoar as plantas.


Antes da cisterna-calçadão, tinham a metade do que se tem hoje. Depois dela a forma de se planejar e produzir ganhou outra dimensão, o cuidado extremo em economizar água é indispensável, tudo é pensado para poupar e manter maior produtividade com segurança. O regador é um utensílio importantíssimo para a agricultora, que rega na medida certa, fazendo o controle do uso da água, sem que haja desperdícios. “Tem que ser tudo aguado com regador, eu tenho alguns coqueiros, mas a forma como eu faço é só pra manter a planta, coloco apenas a quantidade de água de um regador, ai segura o verde por muito tempo, eu sei que não vai dar o fruto, mas mesmo assim salvo a planta e economizo”, afirma Maria dos Remédios.

Apesar do terreno pedregoso, a criatividade e a força de vontade da agricultora se mostra eficiente, seguindo algumas atitudes simples, mas com resultado garantido tanto para a recuperação do solo quanto para a proteção do plantio.

A camada morta com galhos e mato seco é uma das estratégias que Maria usa no pé das plantas para evitar a evapotranspiração, e sustentar a umidade na cova. Com o mesmo material, há uma cobertura para as melancias e outros frutos que ficam expostos aos raios do sol, protegendo e evitando rachaduras. Esse foi um dos ensinamentos que ela aprendeu com a capacitação do Sistema Simplificado de Produção de Alimentos. O manejo se mostrou eficaz, chegaram a colher mais de quarenta melancias só neste ano.

As garrafas de plásticos nas mãos de dona Maria são de grande utilidade, ao serem aproveitadas para fazer esbarramentos no aceiro das plantas. Ela corta as garrafas pela metade e enterra em volta do aceiro, quando recebe a água não transborda e nem deixa escapar o composto orgânico. O reaproveitamento da água do banho e da lavagem de louça é outra manobra aproveitada pela agricultora; no pé do cano onde sai essa água, ela espalha areia grossa, formando um caminho ao longo de trinta metros até chegar às plantas que consomem mais água, como a bananeira e coco. Essa medida funciona como um filtro para a retirada de restos de sabão. “Quando agente quer, agente põe na cabeça, quando eu vi as experiências que filtra a água servida, usando sucessivas camadas de pedras, pensei em usar areia, e esta dando certo”, confirma Maria.

A permanência da família na terra só foi possível pela conquista da autonomia da água. Os reservatórios trouxeram a liberdade de desfrutar de uma série de escolhas que melhoraram o estilo de vida, tanto no aspecto da alimentação quando no contato com a natureza. Decidem o que plantar com certa variedade, utilizando as boas práticas da agroecologia, o que permite através das hortas e dos canteiros manter um pouco de tudo como: amora, tamarindo, acerola, goiaba, jaca, pinha, abacate, abacaxi, mamão, graviola, laranja, maracujá, limão e melão. Com toda essa fartura só para o autoconsumo, a família chega a economizar até 300 reais por mês, sem precisar comprar frutas e legumes por fora. A agricultora, com a água da cisterna, conseguiu também manter o roçado de salvação. Mesmo com a grande estiagem deste ano, não faltou feijão verde na mesa.
Pé de romã é uma das plantas medicinais cultivadas por dona Maria


A compra de remédio convencional diminuiu significativamente. A família economiza 120 reais por mês, depois que começou a cultivar as plantas medicinais: malva sete dor, malva corona, vicque, alecrim, mastruz, romã, babosa, manjericão, quebra-pedra, capim santo e erva cidreira. Maria ensina que bom mesmo é o mastruz junto com a malva para tratar inflamações, batido tudo no liquidificador depois é só beber o sumo; já para dores nos rins, a recomendação é o tratamento é com o chá da raiz de quebra-pedra.

O forte mesmo da agricultora é economizar água e nunca ter que ficar sem este elemento, isso até se torna uma virtude. Mas tem algo mais que diz que auxilia e muito no equilíbrio do conjunto de ações que fortalece a melhoria com o meio ambiente, a conversa com as plantas. Maria afirma que para alguns pode até parecer esquisito, mas ela acredita que esta prática funciona no desenvolvimento dos vegetais. Outra preocupação da agricultora é com os pássaros, por isso, ela espalhou pequenos bebedouros dependurados nos galhos de uma goiabeira. Todos os dias com os primeiros raios do sol, espécies que estão em extinção como o galo campina e o beija-flor dão o ar da graça no local.

Antes de conhecer as alternativas de convivência com o Semiárido, a família tinha vontade de voltar e morar na cidade, hoje descobrindo novos caminhos defende que se aqui no nordeste cada agricultor tiver sua cisterna, uma de água pra beber e outra de água pra o plantio, é ter uma riqueza incalculável - “Agora que eu comecei a sentir o gosto de plantar, de cuidar do meu quintal, de provar de um alimento sadio, eu não vou parar tão cedo”, diz a agricultora, elevando sua autoestima.

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